Princípio do Acesso à Justiça
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Princípio do Acesso à Justiça

O tema é um dos mais importantes em processo civil e para toda e qualquer matéria. Antes de ingressar em qualquer matéria, é preciso compreender os princípios que regem essa matéria, não apenas para interpretá-la, mas também para resolver os famosos “casos difíceis” (hard cases), pois são exatamente nesses casos que os princípios demandam uma atenção especial.

No direito processual civil, os princípios serão trabalhados em dois planos:

  • 1º: plano constitucional, ou seja, princípios do processo civil previstos na Constituição Federal, especialmente aqueles que foram erigidos na categoria de direitos fundamentais.
  • 2º: plano infraconstitucional, especialmente aqueles previstos no CPC.
  1. Princípios constitucionais (o modelo constitucional do processo)
  1. ACESSO À JUSTIÇA

CF, Art. 5º, “XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;”

É a partir desse direito fundamental do acesso ao judiciário que qualquer cidadão que tiver o direito ameaçado ou lesado pode exigir uma tutela jurisdicional que resolva seu problema.

Não é somente lesão a direito, mas também qualquer ameaça de lesão. Isto é, não são apenas tutelas reparatórias, mas também as tutelas preventivas estão abarcadas nesse direito de acesso à justiça.

A preocupação do acesso à justiça deve ser analisada a partir da “porta dos fundos do Poder Judiciário”, ou seja, muito mais importante que facilitar o acesso formal ao Judiciário, é saber o que o cidadão levará do Judiciário.

Tradicionalmente, segundo as lições do professor Kazuo Watanabe, esse direito fundamental reflete a garantia de acesso à ordem jurídica justa à todo aquele que se sentir lesado ou ameaçado em seu direito, poderá pleitear tutela jurisdicional tempestiva, efetiva e adequada. Não é apenas um direito formal, mas sim um direito de obtenção de tutela tempestiva, efetiva e adequada.

  • ORDEM JURÍDICA JUSTA = tutela jurisdicional tempestiva, efetiva e adequada.

Nesse direito fundamental, também podemos encaixar o direito de ser esclarecido sobre os direitos subjetivos. Somente o cidadão que tem consciência dos seus direitos, terá condições de verificar uma ameaça ou uma lesão e, a partir disso, exigir do Poder Judiciário uma tutela que resolva esse problema.

Nesse direito fundamental de acesso à justiça, temos que trabalhar com a ideia de que é absolutamente inviável impor óbices financeiros para que o cidadão chegue ao Judiciário. Quando o legislador prevê o direito de gratuidade de justiça para aquele que não tem condições de arcar com as despesas em prejuízo da família, isso está ligado também ao acesso à justiça. Isso porque, se o sujeito não tem condições de pagar as custas, ele tem direito de acessar o Judiciário sem recolhê-las, para que possa efetivamente ter esse direito fundamental garantido.

  1. DEVIDO PROCESSO LEGAL (DEVIDO PROCESSO CONSTITUCIONAL)

CF, Art. 5º, “LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;”

Dentro do modelo constitucional do processo, encontra-se o devido processo legal. Alguns doutrinadores fazem uma observação interessante – não gostam muito da expressão “devido processo legal”. Na verdade, o mais correto seria devido processo constitucional, já que a Constituição Federal traz verdadeiras garantias que servem como um norte para o Estado trabalhar no âmbito do direito processual, seja penal ou civil. A CF cria um modelo a ser observado pelo legislador, sendo assim, o mais correto seria devido processo constitucional.

De acordo com a melhor doutrina, esse devido processo legal não tem um conteúdo, uma definição própria. Na realidade, será observado o devido processo legal quando forem observadas as demais garantias inerentes ao processo. Significa dizer que se você for julgado por um juiz imparcial, por um órgão julgador previamente definido como competente, se foi observado o contraditório, ampla defesa, etc., foi respeitado o devido processo legal. Nada mais é do que o conjunto das demais normas previstas na CF, especialmente os princípios fundamentais, inerentes ao processo.

Recentemente, o STJ afetou para julgamento no regime dos recursos repetitivos um recurso especial que vai definir se é possível ou não ao réu, no procedimento de busca e apreensão do Decreto 911/69, apresentar contestação antes de o veículo ser apreendido. (Você financia com o banco, faz um contrato de financiamento, para adquirir um veículo. Esse veículo é a garantia do pagamento do financiamento. Significa dizer que o banco fica com a propriedade do veículo até que você pague a última parcela do financiamento à garantia do bem alienado fiduciariamente. Pois bem, se você não paga alguma parcela do financiamento, o banco ingressa com uma ação de busca a apreensão. O art. 3º, §3º do Decreto 911/69 diz que o réu poderá apresentar contestação em até 15 dias, contados da apreensão do bem ou da execução da liminar. Analisando a literalidade do dispositivo, significa que o réu só poderá apresentar contestação depois de já ter perdido a posse do veículo. Isso está de acordo com o devido processo legal? Parece que não. Há entendimentos diversos, no sentido de que o réu pode ter o veículo apreendido antes de apresentar sua defesa e outros no sentido de que não é possível impor ao réu o exercício do direito de defesa somente depois da apreensão do veículo. Tema 1.040 a ser definido pelo STJ em recursos repetitivos.

  1. CONTRADITÓRIO COOPERATIVO

CF, Art. 5º, “LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”

O contraditório tradicionalmente era visto a partir de um binômio: informação + reação. Isto é, a parte de um processo deve ter ciência do que ocorre no processo, especialmente sobre as condutas praticadas pela outra parte, para que ela possa reagir a isso.

Há muitos anos, a doutrina diz o seguinte: na verdade, o contraditório moderno deve ser representado por um trinômio: informação + reação + participação.

  • TRINÔMIO: informação (ciência) + reação + participação (influência)

As partes devem ter assegurado o direito de participar efetivamente da construção do processo, especialmente, da construção das decisões judiciais. Significa dizer que as partes devem ter o direito de, pelo menos tentar, influenciar na decisão que o magistrado irá tomar.

OBSERVAÇÃO: os primeiros dispositivos do CPC dizem o óbvio, pois, no dia-a-dia, existem muitos operadores do direito que “esquecem”. O legislador teve a preocupação de repetir direitos fundamentais que estão na Constituição, no intuito de que o operador do direito “enxergue”.

CPC, “Art. 9º Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida.

Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica:

I – à tutela provisória de urgência;

II – às hipóteses de tutela da evidência previstas no art. 311, incisos II e III ;

III – à decisão prevista no art. 701 .”

O importante é ouvir primeiro aquele contra quem você vai decidir. Evidentemente, se você irá decidir a favor de uma das partes, não há necessidade de ouvi-la previamente, até porque não haverá prejuízo. Isso é importante, porque o art. 332 do CPC cuida da manifesta improcedência ou improcedência liminar do pedido. Em algumas situações, a pretensão do autor é contra súmula já pacificada no âmbito nos tribunais superiores, inclusive por meio de precedente vinculante. Ora, se o autor ingressa com uma pretensão contrária a um precedente vinculante, é óbvio que ele não tem razão. O CPC permite, pelo art. 332, que o juiz profira uma sentença de improcedência prima facie, ou seja, liminarmente, sem ouvir o réu, o juiz já julga improcedente o pedido do autor. É possível, desde que a favor do réu, por isso há possibilidade de julgamento manifestamente improcedente. Não poderia, em nenhuma hipótese, autorizar que o juiz julgasse o pedido manifestamente procedente sem antes ouvir o réu.

Quando trabalhamos com princípios, temos que fazer uma ponderação. Se de um lado existe o contraditório, do outro lado existe a razoável duração do processo, a efetividade, a adequação, e outros princípios. Pode acontecer que, no caso concreto, o juiz se depare com a seguinte situação: ou ele concede uma tutela provisória hoje, mesmo sem ouvir o réu, ou depois de ouvir o réu, e não terá eficácia para o autor. Se ele conceder uma decisão que não tiver serventia para o autor, ele está negando acesso à ordem jurídica justa. Por isso, ponderando os interesses e princípios que estão em jogo, é perfeitamente possível, conquanto seja excepcional, o juiz conceder uma tutela provisória sem ouvir o réu – aquela tutela concedida liminarmente. O contraditório será diferido; adiado. O CPC prevê expressamente essa possibilidade (art. 9º, parágrafo único).

No âmbito das tutelas da evidência, existem duas situações previstas no Código em que o juiz pode conceder sem ouvir a parte contrária e duas que ele concede somente depois de ouvir.

Com relação à exceção prevista no parágrafo único do art. 9º, ainda há a decisão prevista no art. 701 do CPC, que cuida do procedimento especial chamado “ação monitória”. Nesse procedimento, se o autor tiver uma prova escrita sem eficácia de título executivo, demonstrando que existe, pelo menos, uma boa aparência da existência de uma obrigação de pagar/fazer/não fazer, o juiz defere a expedição do mandado monitório. Trata-se de uma decisão, obviamente, contrária ao réu, e será ouvida antes de ele ser ouvido. Portanto, existe a possiblidade prevista no próprio sistema de o contraditório ser adiado. O réu, uma vez citado, apresentará citação, embargos à monitória, se for o caso, e o juiz, entendendo que ele tem razão, revoga a tutela provisória.

Ainda sobre o contraditório, o CPC, traduzindo mais uma vez a garantia prevista na Constituição, diz em seu art. 10:

CPC, “Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.”

Juiz em sentido amplo, pode ser juiz de primeiro grau, desembargador, ministro, etc.

O juiz não pode decidir sobre fundamento sobre o qual as partes não tenham se manifestado, porque embutido no contraditório, existe o princípio que veda a surpresa: as partes não podem ser surpreendidas com fundamentos sobre os quais elas não tiveram oportunidade de se manifestar. É necessário o diálogo, que as partes tenham oportunidade de pelo menos tentar influenciar o juiz nas suas decisões.

Parte final do art. 10: “ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício”. Muitos magistrados cometiam um equívoco antes de o CPC esclarecer melhor o conteúdo do contraditório, ou seja, decidiam questões cognoscíveis de ofício sem ouvir as partes. O fato de juiz poder conhecer de ofício não afasta o contraditório. Então, se existe algo cognoscível de ofício, por exemplo, prescrição, o juiz não pode decidir de imediato, e sim deve proferir um despacho como “Vislumbro a ocorrência de prescrição. Manifestem-se as partes em cinco dias.”, ou algo parecido. As partes, então, terão oportunidade de tentar convencer o juiz acerca da ocorrência ou não da prescrição. Isso é contraditório: permitir o diálogo sobre os fundamentos que serão utilizados em uma decisão.

O STJ recentemente, no que diz respeito a uma questão cognoscível de ofício, decidiu da seguinte maneira:

STJ: “a regra do art. 10 do CPC, que consagra a proibição da decisão surpresa, não se aplica à hipótese em que o juiz se declara absolutamente incompetente” (AgInt no RMS 61.732/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/12/2019, DJe 12/12/2019).

Quando estudamos competência, especialmente o regime jurídico, sabemos que em se tratando de vício de incompetência absoluta, o juiz não só pode, como deve resolver de ofício. Se ele tem a convicção que o seu juízo é absolutamente incompetente, ele tem que corrigir esse vício, inclusive de ofício. Claro, se pode ser de ofício, também pode ser mediante provocação das partes. Porém, o que muitos magistrados estavam fazendo: o procedimento estava tramitando em determinado juízo, ao verificar a incompetência absoluta do juízo, sem dar oportunidade para as partes se manifestarem, determinava a remessa para o juízo competente, a fim de corrigir o vício. Muitos afirmavam que isso viola o contraditório, porque é algo cognoscível de ofício, mas pelo contraditório moderno, temos que dar oportunidade primeiro para as partes tentarem influenciar.

Mas tem um detalhe interessante: o art. 9º dispõe “não se proferirá decisão CONTRA uma das partes sem que ela seja previamente ouvida”. Conforme já foi dito, o contraditório tem a preocupação de que se o juiz irá decidir contra uma parte, primeiro é preciso ouvi-la. Quando o juiz decide sobre a competência do órgão que ele integra, essa decisão não irá influenciar no mérito. Por exemplo, se um juiz da vara cível entende que determinada causa deve ser julgada por um juízo de fazenda pública, ao remeter os autos ao qual ele entende competente, não há prejuízo para as partes; o direito subjetivo delas não sofreu nenhuma consequência; a decisão que irá fazer, eventualmente, com que alguma das partes perca algum direito, será dada pelo juízo competente. Portanto, não haveria violação ao contraditório cooperativo. Exatamente nesse sentido entendeu o STJ – quando se decide que o juízo é absolutamente incompetente, não se prejudica as partes em seu direito subjetivo.  Por isso, é perfeitamente fazê-lo sem ouvi-las. Há quem seja contra esse entendimento, mas o fato é que o STJ vem caminhando nesse sentido.

O importante no contraditório moderno é o diálogo, a participação, a construção em conjunto do que é necessário para se chegar a uma tutela jurisdicional efetiva, tempestiva e adequada.

  1. AMPLA DEFESA

CF, Art. 5º, “LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”

Todos os meios e recursos, em sentido amplo e estrito (apelação, embargos de declaração, recurso especial, agravo, etc.), devem ser garantidos à parte ao longo do procedimento, sob pena de violação do princípio da ampla defesa.

Observação: a ampla defesa, no processo civil, incide tanto para o autor quanto para o réu. No processo penal, existe o órgão acusador, ressalvadas as pouquíssimas ações de ação penal privada, existe o Estado, representado pelo Ministério Público, acusando alguém da prática de um ilícito penal, que se defende. No processo civil, não há acusação e defesa, mas sim tese e antítese,ou seja, antítese. O autor apresenta sua tese e o réu apresenta outra tese, geralmente se contrapondo à tese do autor. Na defesa das suas teses, as partes têm direito de usar todos os meios e recursos disponibilizados pelo sistema. Significa que, no processo civil, não é apenas o réu que tem direito fundamental à ampla defesa, o autor também tem direito de se utilizar de todos os meios disponíveis no sistema para defender sua tese. Por isso, é perfeitamente possível falar-se em violação à ampla defesa do autor. Ele quis defender a tese perante o Judiciário e foi cerceado nesse direito. Exemplo: em determinado momento do processo, na ocasião do saneamento e organização, o autor requer a produção de uma prova pertinente, relevante e que foi pleiteada adequadamente. Preenchidos esses requisitos, a prova deve ser deferida. Se o juiz indefere o requerimento de prova formulado pelo autor, haverá cerceamento de defesa.

Por hoje é isso, pessoal. Logo mais voltaremos com mais assuntos de processo civil.

Até breve!!!

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